Em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha e, ao analisar a íntegra da Lei, verifica-se que o legislador preocupou-se em criar mecanismos para coibir e prevenir os casos de violência doméstica e familiar, isto é, visando o caráter preventivo das medidas a serem adotadas.
Tanto é verdade que a Lei inovou ao trazer a possibilidade de aplicação de medidas protetivas de urgência, especialmente nos incisos VI e VII do artigo 22, inseridos por intermédio da Lei nº 13.984 de 2020, em que o legislador possibilita a busca pela conscientização e reeducação do autor de violência doméstica e familiar.
Apesar da Organização das Nações Unidas considerar a Lei Maria da Penha uma das terceiras leis mais avançadas do mundo no que tange ao enfrentamento à violência contra mulher, na prática a Lei ainda esbarra em alguns obstáculos para que seja cumprida integralmente, como é o caso da construção de masculinidades e da criação e perpetuação de estereótipos que reforçam o machismo.
Isto porque, não é de hoje que foram criadas e socializadas normas de condutas com a finalidade de estabelecer como cada ser humano deveria ser e se comportar, isto é, o sexo masculino, desde criança, precisa se mostrar forte, assertivo e grosseiro, enquanto ao sexo feminino cabe ser frágil, dócil e passiva, situações que acabam ressaltando a ideologia da superioridade masculina e a inferioridade feminina.
Ademais, durante o documentário intitulado “O silêncio dos homens”, em parceria com ONU Mulheres e a Campanha Eles por Elas, o psicólogo e pesquisador Eduardo Chakora explica que desde pequenos os homens precisam forjar uma identidade masculina, ou seja, uma imagem baseada na força e na não sensibilidade, acarretando, consequentemente, uma espécie de “camisa de força” dentro do universo masculino, que trancafiam todas suas emoções.
Segundo o psicólogo, é por esse motivo que os homens competem o tempo inteiro, precisam “provar que são homens” e acabam se matando e matando outras pessoas. Inclusive, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto PapodeHomem, apenas três em cada dez homens possuem o hábito de conversar sobre seus maiores medos e dúvidas com seus amigos, o que significa que os homens possuem uma certa dificuldade de desenvolver uma abertura emocional e de saber lidar com alguma situação desafiadora que fuja ao seu controle.
Neste diapasão, é evidente que inúmeros comportamentos são ensinados para os meninos desde pequenos, como é o caso da violência sexual para provar sua virilidade.
Inclusive, em regra, o aprendizado de comportamento violento ocorre dentro do espaço doméstico, em que os responsáveis legais, visando “educar” e reprimir comportamentos indesejáveis, utilizam-se da violência contra a criança, fazendo, portanto, que a pessoa acabe associando educação, respeito e amor com violência.
Destaca-se que todas essas questões trazidas não justificam e nunca justificarão a ocorrência de uma violência doméstica e familiar contra a mulher, porém são alguns dos principais motivos que fazem com que os homens sejam tão violentos e controladores, principalmente com as mulheres e crianças.
Por este motivo, além da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, já prevista na Lei Maria da Penha, é preciso olhar para os autores dessas violências, e não com um olhar punitivista, mas sim preventivo e educativo.
No Estado de São Paulo, há o programa “E agora, José?”, o projeto “Tempo de Despertar – Ressocialização do Autor de Violência contra a Mulher”, o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (ONG), entre outros projetos que trabalham com homens autores de violência doméstica e familiar.
Portanto, como alternativa ao modelo punitivo prisional, a proposta dos grupos reflexivos com homens autores de violência contra as mulheres está, aos poucos, tomando espaço e sendo aceita em nossa sociedade.
Até porque, ao lidar somente com as mulheres envolvidas numa situação de violência doméstica e familiar, estamos trabalhando apenas com uma das partes envolvidas.
Já com os homens sendo submetidos a algum tipo de intervenção realmente eficiente, são grandes as chances de diminuição de reincidência de comportamentos agressivos e violentos contra as mulheres.
Em razão da Lei Maria da Penha reforçar a promoção de programas educacionais com perspectiva de gênero e ressaltar a educação como principal ferramenta de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, além de ser extremamente necessário trabalharmos essas questões e conscientizarmos as crianças, os grupos reflexivos de homens também possibilitam o conhecimento por trás da questão da violência contra as mulheres, contribuindo para a mudança de uma realidade que expõe meninas e mulheres a violações de direitos todos os dias e cuja natureza é estrutural.
Portanto, é preciso que haja o rompimento dessas heranças de costumes patriarcais, investindo em campanhas educativas de prevenção, pois se a construção da masculinidade e a perpetuação do machismo possuem causa social, é necessário que exista a coibição em sua origem, ou seja, na própria sociedade.
Gabriela Furtado Fernandes
Advogada e Vice-Presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB SV